Em uma carta mal escrita, por vezes desconexa, e ultrajante na mesma medida que chocante, Trump declarou na quarta-feira (10) que o Brasil teria suas exportações para os Estados Unidos taxadas em 50%. Havia, ainda, acusações fantasiosas e exigências descabíveis para o governo e judiciário brasileiros, sob possível pena de aumento da tarifa já exorbitante.
Analisando a mensagem do ponto de vista econômico, à primeira vista já se nota uma mentira grave: os EUA, ao contrário do indicado, não têm um déficit comercial com o Brasil. Pelo contrário: números do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) indicam que, desde 1997, acumula-se um superávit de US$ 49,88 bilhões em favor dos EUA. Produtos como petróleo, aço, café e carne bovina são líderes de exportação para os EUA, enquanto o Brasil importa motores, máquinas e combustíveis.
A carta ainda aponta, como sustentáculo argumentativo desse castigo vigarista, as determinações do Poder Judiciário no que diz respeito à atuação das “big techs” americanas em solo brasileiro, bem como o julgamento em curso do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em síntese, trata-se não menos do que uma tentativa repugnante de interferência nos assuntos internos do Brasil, violando a soberania de uma democracia (embora imperfeita, em pleno funcionamento) e cometendo sórdida tentativa de extorsão. Em matéria jurídica no plano internacional, fere princípios fundamentais do Direito Internacional Público de não-intervenção e respeito à soberania alheia, disposições que abundam em documentos de órgãos internacionais, como os da ONU(Carta das Nações Unidas, Art. 2º, §1º, Art. 2º, §4º e Art. 2º, §7º; e Assembleia Geral (AGNU), Resolução 2625 (XXV)), da Corte Internacional de Justiça (CIJ) (Caso Nicarágua vs. Estados Unidos, 1986), e da Organização dos Estados Americanos (OEA) (Carta da OEA, Art. 3º, alíneas a, b e e; Art. 19).
Para vencer o sangue-quente despótico, a conduta indispensável para o governo brasileiro é de cautela e impessoalidade. Vale tomar nota das atitudes da presidente do México, Claudia Sheinbaum: sob ataque feroz de seu vizinho ao norte, optou pelo silêncio e pela boa e velha liturgia institucional da diplomacia clássica. Logrou o maior sucesso entre seus semelhantes até então. Caso o respeitado Itamaraty tome a dianteira no tema, o benefício maior é do próprio Estado brasileiro e de seu povo — caso contrário, pode tornar-se uma vil disputa entre presidentes o que era para se limitar ao domínio de Estados que se tratam (ou deveriam se tratar) como iguais perante o Direito Internacional Público.